POR LUCAS SCHOCH*
Seja qual for futuro dos meios de pagamento, fato é: não podemos desprezar que as criptomoedas mudaram a maneira com que nos relacionamos com o dinheiro. Ainda hoje, grande parte das pessoas vive suas vidas com olhos para o mundo do passado, mas precisamos ter em mente que mudanças significativas sobre questões primárias, como, por exemplo, a compreensão do dinheiro, o que chamamos de “mudanças geracionais”, levam mais tempo para serem amplamente aceitas e compreendidas.
Voltando um pouco na história, em 1971, Richard Nixon, presidente dos Estados Unidos, rompeu o Acordo de Bretton Woods, que acabou com a convertibilidade do dólar americano com o ouro, tornando a moeda não mais “lastreada” a uma quantidade de ouro existente. Isso significa que, o valor que existe de dólares no mundo passou a ser controlado pelo governo americano. Essa foi, de fato, uma mudança geracional. Grande parte das pessoas porém, ainda acredita que o governo tem algum valor para dar o “lastro” da moeda.
Assim como nos EUA, o Brasil também não possui “lastro” para emissão de Reais. No entanto, em diversas apresentações para grupos de investidores, fundos de investimento, e pessoas mais próximas, a pergunta “Onde está o lastro do Bitcoin?” é certeira. Minha resposta sempre teve como referência o fim do Acordo de Bretton Woods. Afinal, onde está o lastro do Dólar ou do Real?”.
As respostas seguintes à minha pergunta sempre foram agressivas ou conclusivas. Alguns colocavam a mão no fogo dizendo que o petróleo era a base do valor do Dólar, enquanto outros praticamente me expulsavam da sala por “cutucar” seu conhecimento do sistema financeiro. Os poucos que me deixaram continuar minha explicação, são hoje meus investidores ou amigos que têm algum valor investido em criptomoedas. E por que eu conto essa história?
A verdade é que, em 1971, essa decisão unilateral com finalidades específicas para uma só nação, colocou em xeque toda lógica que compreendíamos sobre dinheiro. Quando o Brasil finalmente conseguiu compreender um pouco desse novo mecanismo, controlando a inflação em 1994 com o plano Real, começamos uma onda gigantesca de quebra de paradigmas potencializado pela internet onde o dinheiro não mais era o foco, e sim, os serviços online.
Antes de conseguirmos visualizar o Bitcoin como grande diferencial, no entanto, precisamos compreender o real diferencial criado pelos bancos durante esse período. O Brasil tem um dos sistemas financeiros mais completos e complexos do mundo e vimos, nos últimos anos, serviços como pagamentos e transferências passaram para a palma da mão com segurança e agilidade. No entanto, precisamos lembrar que essa facilidade não é gratuita. Os bancos ganham caminhões de dinheiro com tarifas de transferências, manutenção de contas e pagamentos, e utilizam de valores em para empréstimos a outros clientes (o que significa emprestar dinheiro que não têm). Ou seja, o banco está jogando contra o cliente.
Mas surgiram duas frentes novas para se chocar e questionar este sistema: os bancos digitais e as criptomoedas. Além da redução de taxas e facilidade nos serviços, o Bitcoin foi além dos bancos digitais, partindo de premissas ainda mais transformadoras. Em “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, White Paper do pseudônimo de Satoshi Nakamoto, tivemos a primeira descrição de uma estrutura robusta suficiente e que conseguiria resolver os desafios criado pelo rompimento do Acordo de Bretton Woods, ou seja, criando um sistema de “emissão” de moeda (e a moeda em si) automatizado, com mecanismos de escassez natural que preservam ou aumentam seu valor ao longo do tempo e, caso aceito em escala, maior segurança em seu mecanismo que os próprios bancos seriam capazes um dia de fornecer e um custo infinitamente menor para os usuários do sistema.
Sim, algo completamente insano e longe de ser compreensível em cinco minutos, assim como todas as mudanças geracionais. A estrutura que compõe o Bitcoin foi criada com base na Economia e na Tecnologia. Passamos a ter um sistema monetário baseado em algoritmos e que resolve problemas de segurança, escalabilidade e autenticidade de transações, utilizando o mais alto nível de conhecimento de tecnologias de criptografia e segurança de sistemas.
De 2008 para cá, o Bitcoin passou a ter um valor de mercado total de aproximadamente 170 bilhões de dólares. A criptomoeda já é uma realidade. E é tão real que os próprios bancos centrais de diversos países estão discutindo suas próprias moedas digitais em uma estrutura baseada em Blockchain. Dessa forma, os governos poderão controlar a emissão do dinheiro e fornecer acesso para as instituições financeiras de forma mais simples e barata. Sem contar que, ao digitalizar o dinheiro dessa forma, todas as transações financeiras passam pelo monitoramento do governo. Ou seja, utilizando a tecnologia e benefícios de escalabilidade por trás do Bitcoin, mas com propósitos muito diferentes.
Iniciativas como a Bitfy nascem com o objetivo de tornar cada vez mais o Bitcoin uma moeda corrente e que permite o desenvolvimento de tecnologias. Esse caminho não tem volta, o foco é encontrar o que temos a aproveitar e pensar em como podemos melhorar a vida das pessoas com a tecnologia.
*LUCAS SCHOCH é fundador e CEO da Bitfy, primeira carteira digital multiuso de bitcoins no Brasil. Com mais de 14 anos de experiência em desenvolvimento de softwares, antes de criar a empresa em setembro de 2018, Schoch fundou a Warp Exchange, solução de pagamento por meio da tecnologia blockchain, onde também foi CEO. Autor de 9 livros, teve passagem por diversas empresas de tecnologia, tendo seu primeiro contato com criptomoedas em 2011, mas foi em 2013 que se aprofundou no tema. Apaixonado por inovação, Lucas estudou Contabilidade (SENAC), Economia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), posteriormente Análise e Desenvolvimento de Sistemas (SENAC) e em 2017 iniciou mestrado em engenharia da computação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP (IPT).
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