Ex-morador de rua obtém o título de mestre em meio ambiente

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Cláudio Donato: conquista inimaginável com o fundamental apoio encontrado na Unoeste. FOTO: MARIANA TAVARES

Ao fazer a defesa pública de sua dissertação como resultado da pesquisa científica sobre a viabilidade ecológica e comercial do aproveitamento de resíduo de madeira na fabricação de briquetes, o ex-morador de rua Cláudio José Donato afirma que o seu sentimento é o de ter chegado muito longe, onde nem poderia imaginar. Patamar alcançado com estudo que direciona para tomada de decisões e ao empreendedorismo da produção de lenha ecológica, considerada a lenha do futuro por reduzir impactos ao meio ambiente em relação à lenha convencional.

Ao final da banca de avaliação, realizada no dia 11 deste mês, Cláudio foi aprovado na Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) para receber o título de mestre em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional junto ao programa que pós-graduação que tem o mesmo nome e que oferta mestrado e doutorado. Conforme a orientadora Dra. Maíra Rodrigues Uliana o trabalho de pesquisa e a produção da dissertação foi o de estudar os resíduos de madeira em Presidente Prudente (SP), com discussão teórica sobre a importância ambiental da reutilização.

Várias contribuições

No estudo também foi produzido um plano de negócios que mostra a viabilidade econômico-comercial da produção de briquetes através do pó de serra e maravalha, pontas e podas de árvores. “Os resultados da pesquisa apontam a utilização dos resíduos estudados como fonte de energia renovável, contribuindo com o meio ambiente, geração de empregos, diminuição da poluição visual, tanto nos pátios das madeireiras como nos locais de descartes inapropriados espalhados pela cidade”, conta a orientadora.

“Este trabalho teve o intuito de enriquecer os estudos sobre a briquetagem e corroborar com os futuros estudos sobre o assunto. Todo o plano de negócio foi baseado em dados reais, com metodologias de análise bibliográfica, pesquisas qualitativa e quantitativa. Nesse intuito o trabalho traz o máximo de apoio para tomadas de decisões e direcionamentos ao empreendedorismo. Os dados obtidos destacam que o mercado de lenha ecológica está sendo considerado o do futuro”, pontua.

A história de vida

A orientadora cita a ajuda valiosa da Dra. Alba Regina Azevedo Arana, na condição de colaboradora e de coordenadora do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Regional. Comenta que entre as qualidades de Cláudio estão as de ser dedicado e persistente, embora quase tenha desistido do trabalho. Porém, foi perseverante e conseguiu concluir, depois de ter se afastado por questões de saúde. A relação orientando e orientadora começou em 2016, sendo que a história de vida do ex-morador de rua foi um dos motivos que a levou ao desafio de aceitar a orientação fora de sua área de conforto em pesquisa.

Embora possuidor de rico saber cotidiano, do aprendizado para a vida obtido nas ruas e praças, Cláudio tinha algumas deficiências no saber escolar quando ingressou no ensino superior. Buscou a superação com uma carga de estudo acima da média dos colegas de sala. Auto-alfabetizado, só foi alfabetizado oficialmente aos 36 anos de idade, com apenas três meses na Educação de Jovens e Adultos (EJA) para obter os certificados de conclusões do ensino fundamental e médio. Aos 37 anos, em 2006, ingressou no ensino superior. Fez o curso de Gestão de Negócios [hoje Gestão Comercial], concluído em 2008 e sendo homenageado como “Melhor Aluno da Turma”.

Apoio fundamental

Além de seu enorme esforço em estudar, conta que o apoio recebido dos professores e do coordenador Wilson Lussari foi fundamental, incluindo toda estrutura da Unoeste, onde depois exerceu a docência universitária por quatro anos e meio, em alguns cursos. Foi nessa condição que resolveu fazer o mestrado, inicialmente como aluno especial de uma disciplina. Fez o processo seletivo e foi aprovado como aluno regular, mas por motivo de saúde pediu afastamento, chegou a pensar em desistir, mas novamente falou mais alto o apoio humano.

Entre a graduação e o mestrado, fez outra especialização. Sua produção científica é de 40 artigos publicados, com mais de 250 mil acessos. É coautor em capítulo do livro “Novas Profissões, Emprego e Empreendedorismo”. Além de ter atuado como professor universitário, possui mais de 30 anos de atividades na área comercial, como gestor e consultor. É representante do Conselho Regional de Administração de São Paulo (CRA-SP) em Presidente Prudente. Já proferiu mais de mil palestras sobre dependência química.

Testemunho vivo

Com 25 anos de abstinência, Cláudio é um dos testemunhos vivos da conceituação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de que a dependência é incurável e progressiva; mas possível de ser controlada. Em seu caso, como deve ser o de muitos em idênticas condições, existe a instabilidade emocional; geralmente manifestada no ambiente doméstico. Três casamentos foram desfeitos, sendo que nos dois primeiros ainda era drogado, de tal forma que sua filha mais velha, com 32 anos, não o reconhece como pai. São três filhas e um filho, sendo que o último casamento durou quase 20 anos.

Natural de São Paulo, mas sem saber o motivo de ter sido registrado em Andradina, no interior paulista, aos cinco anos de idade foi entregue em um orfanato. Em tempos de Ditatura Militar e sem leis de proteção à infância e adolescência, por não suportar os castigos e as surras, fugiu. Começou a morar nas ruas aos dez anos, dormindo ao relento na Estação da Luz e nas praças da República, da Sé e dos Correios. Para sobreviver pedia comida. Um dia, viajando de carona chegou a Ponta Porã e de lá avançou 60 km adentro; passou seis meses trabalhando na zona de Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

Compromisso com Deus

Novamente de carona com caminheiro, foi para Birigui (SP) e encontrou seu pai. A convivência durou dois dias, no final de 1987. Cláudio pegou o dinheiro que tinha na carteira do pai, foi correndo até à rodoviária e entrou no primeiro ônibus que estava de saída, sem sequer saber que o destino era Presidente Prudente, onde passou dois anos morando no terminal rodoviário. Vivia de bicos e da ajuda das pessoas. Teve cinco internações psiquiátricas e na sexta, diante da recusa do diretor do hospital em recebê-lo e deixado pela ambulância dos Bombeiros, dormiu na calçada.

A data que não sai de sua lembrança: 14 de março de 1995. Ao acordar na calçada e pensar que nem no hospital era aceito, decidiu mudar de vida e fez compromisso com Deus de abandonar as drogas e as bebidas alcoólicas, de tal forma que nunca mais consumiu nada. Seu primeiro emprego, no começo dos anos 1990, foi como auxiliar administrativo em distribuidora de cimento. Passou por outras empresas da área comercial, daí o interesse pela graduação em Gestão de Negócios. Com a pandemia do coronavírus, perdeu as consultorias e passou a trabalhar como motorista de aplicativo.

Novas oportunidades

Cláudio tem interesse em retomar a atividade de professor e entende que a sua trajetória acadêmica, na qual inclui agora o título de mestre, será importante para fazer licenciatura e ingressar na rede estadual de ensino. Também está aberto para outras possibilidades no campo da docência, no qual entende que se deu bem, ao ponto de ser professor homenageado de todas as turmas para as quais lecionou. Sua vida pessoal é mais de isolamento do que de festas, para manter a abstinência. Nunca mais viu seu pai e teve pouco contato com sua mãe, que encontrou em Junqueirópolis (SP).

BLOG DO ANDRÉ OLIVEIRA | INFORMAÇÃO COM CREDIBILIDADE! | COLABORAÇÃO: ASSESSORIA DE IMPRENSA UNOESTE

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